O
homem criança - Puer
Aeternus
Com
base no livro de Marie-Louise Von Franz "Puer aeternus: A luta
do adulto contra o paraíso da infância”, serão
destacadas
as características do Arquétipo do puer
Aeternus (o homem que por determinadas condições, leva a vida de modo que aparenta ter uma "juventude eterna"),
que Von Franz comenta em sua obra. Na medida do possível, suas
origens e a maneira pela qual essa neurose pode ser superada, segundo
a autora.
Esta
obra de Marie-Louise Von Franz reproduz em forma de livro doze
palestras realizadas no C.G. Jung Institute de Zurique, durante o
inverno de 1959/1960.
Antes
de falar especificamente sobre o Puer,
vamos começar por compreender o conceito de Arquétipo segundo Jung.
Jung
define Arquétipo como sendo a forma
na psique que está presente em todo tempo e em todo lugar,
forma
preexistente que constitui o inconsciente coletivo que não se
desenvolve individualmente, mas que é herdado por nós. São
estruturas inatas que servem de matriz para a expressão e
desenvolvimento da psique. Segundo Jung, tais formas preexistentes só
secundariamente podem tomar-se conscientes.
No
“prólogo” do livro, que é apresentado a seguir, von Fraz fala
das origens do arquétipo do Puer
Aeternos
da seguinte forma:
"Puer
Aeternus
é o nome de um deus da antiguidade. As palavras vêm de
Metarmophoses de Ovídio e são aplicadas ao deus-criança nos
mistérios eleusianos. Ovídio fala do deus-criança Iaco,
dirigindo-se a ele como puer
aeternus
e cultuando-o em seu papel nesses mistérios. Posteriormente, o
deus-criança foi identificado com Dioniso e com o deus Eros. Ele é
o jovem divino que, de acordo com esse típico mistério eleusiano de
culto à mãe, veio ao mundo em uma noite para ser o redentor. É o
deus da vida, da morte e da ressurreição – o deus da juventude
divina, correspondente aos deuses orientais Tamuz, Átis e Adônis. O
título
puer
aeternus, portanto,
significa "juventude eterna", mas também o usamos para
indicar certo tipo de jovem que tem um complexo materno fora do comum
e que, portanto, comporta-se de certas maneiras típicas...” (Von
Fraz, 2005, p. 9).
Cartaz
do filme O tambor (Die Blechtrommel), de 1979. dirigido por Volker
Schlöndorff, com roteiro adaptado do livro homônimo de Günter
Grass. Nesta história emocionante a personagem principal, Oskar
Matzerath, toma a
decisão de não crescer e por meio de uma ação drástica seu
desejo se realiza.
Os homens que sofrem de complexo materno (o Puer)
As características do puer serão listadas para facilitar a compreensão, porém, não esgotaremos toda a complexidade que podem possuir as pessoa que funciona como Puer Aeternus. Este clássico da psicologia é uma ótima referência que pode servir como norte (orientador) para quem deseja saber mais sobre o funcionamento de um Puer:
- É comum que o homem que se identifica com o arquétipo do Puer Aeternus permaneça com características de adolescente, na vida adulta. Na grande parte dos casos ele se mantém dependente da mãe.
- Os dois tipos típicos de homem que não se individualizou da mãe são, de acordo com Jung, o tipo homossexual e o tipo com complexo de Don Juan. No livro, Von fran diz que o Homossexualismo é no momento o mais comum dos dois tipos, mas não se aprofunda, dando ênfase ao o tipo Don Juan. Ela diz que para o tipo Don Juan a mãe é a imagem da mulher perfeita que nutre e não possui defeitos (a grande mae). Ele procura esta imagem na mulher pela qual se apaixona, mas logo se decepciona, Há sempre um "mas" que não o deixa casar-se ou comprometer-se, ao perceber que ela é um ser comum toda paixão que possuía se extingue e ele a deixa, para se apaixonar por outra mulher e repetir o ciclo de paixão, decepção e abandono.
- Geralmente, o homem nesta condição possui grandes dificuldades de adaptação a situações sociais. Em alguns casos, há um tipo de individualismo associal. Ele se considera alguém especial que não tem necessidade de adaptar-se, pois as pessoas é que têm que adaptar-se, a um gênio como ele. Além disso, assume uma atitude arrogante em relação aos outros, devido tanto ao complexo de inferioridade como a falsos sentimentos de superioridade.
- Tais pessoas geralmente têm grande dificuldade em encontrar o tipo certo de trabalho, pois tudo que aparece nunca é exatamente o que queriam ou procuravam. Há sempre um "cabelo na sopa".
- O desajuste do Puer com a realidade de sua existência leva a uma forma de neurose que H. G. Baynes descreveu como "vida provisória"; isto é, a estranha atitude é a sensação que a vida e a mulher, com quem está, ainda não são o que ele realmente quer, e há sempre a fantasia que em algum momento no futuro a "coisa certa" aparecerá, acontecerá. Se essa atitude se prolonga, significa uma constante recusa interior de viver o presente. Seguindo esta neurose, encontramos frequentemente, em nível maior ou menor, um redentor ou um portador do complexo de Messias, que tem o pensamento secreto de algum dia vá salvar o mundo. Ele crê que a última palavra em filosofia, ou religião, ou política, ou arte, ou alguma outra coisa, será descoberta por ele. Isso pode progredir para uma megalomania patológica típica ou então pode haver alguns indícios da ideia que o tempo dele "ainda não chegou".
- A única situação que esse tipo de homem teme é a de se ligar a qualquer coisa. Há um medo terrível de se prender, de entrar no tempo e no espaço totalmente, e de ser o ser humano específico que ele é. Há sempre o medo de ser pego em uma situação da qual seja impossível sair.
- Toda definição para o Puer é um inferno à ser questionada, avaliada e esmiussada. Para ele as definições são apenas momentâneas, algo em eterna transição.
- Há sempre algo altamente simbólico — principalmente uma atração por esportes perigosos, simbolizando a separação da mãe, isto é, da terra, da vida comum. Se esse tipo de complexo for muito pronunciado, muitos homens que o possuem encontrarão a morte prematura em acidentes na pratica de seus esportes. É um desejo exteriorizado que se expressa dessa forma.
- Pueri geralmente não gostam de esportes que requerem paciência e treinamentos longos, pois ele — no sentido negativo da palavra — é geralmente muito impaciente por temperamento.
- Um homem assim, na realidade, não quer ser sobrecarregado com nenhum tipo de peso; a única coisa que ele recusa totalmente é ter responsabilidade para com qualquer coisa ou a carregar o peso de alguma situação.
- O homem que possui o complexo materno sempre terá de lutar com suas tendências de se tornar um Puer Aeternus.
- Há outro tipo de puer que não exibe o charme da juventude eterna e nem o arquétipo da juventude divina brilha nele. Pelo contrário, vive em estado de alheamento, o que é também uma característica típica da adolescência: o jovem sonolento, indisciplinado, que simplesmente fica à toa, com a mente vagando, de modo que às vezes sente-se vontade de jogar um balde d'água nele para fazê-lo acordar. O ar desligado é apenas um aspecto exterior, contudo, se você consegue penetrar em seu íntimo encontrará uma vida fantasiosa intensa.
Qualidades
do puer
- Em geral, a qualidade positiva de tais jovens é um certo tipo de espiritualidade que vem de um contato relativamente próximo com o inconsciente coletivo. Muitos têm o charme da juventude;
- Os Puer Aeterni são geralmente muito agradáveis para conversar; eles usualmente têm assuntos interessantes e tem um efeito estimulante sobre o ouvinte;
- Não gostam de situações convencionais;
- por não gostar de situações convencionais e não se satisfazer com definições dogmáticas e estanques, o puer quando consegue por sua energia em movimento, de forma criativa, pode ser muito produtivo (artes, tecnologia, ciências, etc.)
- Fazem perguntas profundas e vão direto à verdade;
- Geralmente, estão à procura da religião autêntica, uma procura típica do final da adolescência;
- O charme juvenil do Puer Aeternus se prolonga até os últimos estágios da vida;
- O ser criança congrega em si inúmeras possibilidades, sendo todas elas potências.
“A
cura”
Pode-se perguntar qual é a cura, se um homem descobre que tem um complexo materno, que é algo que aconteceu a ele — não é algo que ele mesmo provocou — o que ele pode fazer?
No
livro Symbols
of Transformation,
Jung falou sobre a cura — pelo trabalho — e tendo dito isso,
hesitou e pensou: "Será que realmente é assim tão simples? É
esta a única cura? Posso colocá-lo deste modo?"
Mas
trabalho é uma palavra tão desagradável para o puer
que ele não suporta ouvi-la, e o Jung chegou a conclusão de que o
que disse estava certo.
A
experiência de Von Fraz em seus trabalhos com homens Puer
também
mostrou que é através do trabalho que o homem pode sair desse tipo
de neurose juvenil.
Há,
contudo, alguns mal-entendidos nesta associação, pois o Puer
aeternus
só consegue trabalhar com as pessoas primitivas ou que têm um ego
fraco, quando ficam fascinados ou em estado de grande entusiasmo.
Aí ele
consegue trabalhar vinte e quatro horas por dia ou mesmo até que se
canse daquilo. Mas o que ele não consegue fazer é sair para o
trabalho em uma horrível manhã chuvosa quando o trabalho é
entediante e a gente tem que se esforçar para enfrentá-lo. Disso o
Puer
Aeternus
não dá conta, e arranja qualquer desculpa para evitar. Na análise
de um Puer
Aeternus
mais cedo ou mais tarde o analista se depara com este problema.
É
apenas quando o ego se fortaleceu suficientemente que o problema pode
ser ultrapassado, e a possibilidade do trabalho diário se
concretiza. Naturalmente, embora se conheçam os objetivos, cada caso
individual é diferente. A solução não está em fazer sermões
sobre a necessidade do trabalho, pois tais indivíduos simplesmente
se zangam e o deixam falando sozinho.
Marie-Louise
Von Franz
diz que o inconsciente geralmente tenta estabelecer um compromisso —
principalmente, indicar o caminho onde houver mais entusiasmo ou onde
a energia psicológica poderia fluir mais livremente, pois é,
naturalmente, mais fácil treinar- se para trabalhar em alguma coisa
que coincida com o instinto.
Assim,
as coisas não ficam tão difíceis quanto trabalhar contra a
corrente de energia. Portanto, é geralmente aconselhável esperar um
pouco, descobrir os caminhos para os quais sua corrente natural de
energia e interesse correm, e então tentar encaminhá-lo para um
trabalho de acordo com seus pendores e suas tendências. Mas, em todo
campo de trabalho deve-se enfrentar a rotina. Todo trabalho, mesmo
sendo criativo, contém uma certa quantidade de rotina e monotonia,
da qual o Puer
foge, concluindo que "aquele não é o trabalho que procurava!".
Segundo
a psicoterapeuta, nestes momentos se a pessoa for apoiada pelo
inconsciente, os sonhos ocorrem e mostram que o indivíduo deve lutar
contra o obstáculo, se for bem sucedido, então a batalha está
ganha.
Em
uma carta
Jung
escreve sobre o puer:
"Considero
a atitude do puer
aeternus
um mal inevitável. O caráter do puer
aeternus
é de uma puerilidade que deve ser de algum modo superada. Sempre
leva-o a sofrer golpes do destino que mostram a necessidade de agir
de maneira diferente. Mas a razão não consegue nada nesse sentido,
porque o puer
aeternus
não assume responsabilidade por sua própria vida".
Se
desconsiderarmos nossa sombra nos tornamos a metade de uma pessoa.
Marie-Louise
Von Franz "Puer aeternus: A luta do adulto contra o paraíso da
infância. São Paulo: Paulus, 2005. - (colecão amor e psique)"